O Projeto de Lei (PL) 2.384/2023, que restabelece o voto de qualidade nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foi aprovado pelo Senado Federal e segue para sanção do presidente Lula. O voto dá ao representante do Fisco, o direito de desempate dos recursos administrativos que discutem matéria tributária. Estima-se que essa medida possa aumentar a arrecadação da União em até R$ 59 bilhões.
Para a especialista em Direito Tributário do Ambiel Belfiore Gomes Hanna Advogados, Livia Heringer, o PL traz mecanismos de redução da litigiosidade em matéria fiscal, um dos objetivos pretendidos pela reforma tributária.
“A diferença é que, enquanto a reforma traz simplificação do modelo de tributação sobre o consumo, o projeto de lei aborda mudanças no processo administrativo federal, prevendo contrapartidas ao contribuinte quando o lançamento é mantido no Carf pelo voto de qualidade”, diz a tributarista.
Livia destaca a importância do Carf e a inquestionável seriedade e profissionalismo de todos os Conselheiros que o compõe, “mas o que se vê na prática é que o voto de desempate por representante do Fisco geralmente não é neutro, tanto que está sendo usado como ferramenta de aumento da arrecadação, e ofende a presunção de inocência constitucionalmente garantida no Brasil”, alerta a advogada.
Para atenuar os prejuízos que decorrem dessa política que privilegia o “voto de Minerva”, o projeto também introduz novas regras para a garantia judicial de débitos tributários, “impedindo a liquidação antes do trânsito em julgado; cria um programa de conformidade com medidas de incentivo à autorregularização; e reduz a multa qualificada (quando há dolo, fraude ou simulação) de 150% para 100%, em linha com decisões do STF”, diz Livia.
Para a advogada, muito além de estabelecer que o Fisco dará a palavra final em caso de empate nos julgamentos da Câmara Superior do Carf, o projeto de lei prevê medidas concretas para atingir maior harmonia entre Fisco e contribuintes.
“Ao criar uma política de incentivo à conformidade (com dosimetria de benefícios) e dispor sobre os limites para aplicação da multa qualificada e as garantias oferecidas na execução Fiscal, há um enorme potencial para pôr fim a controvérsias que abarrotam o Judiciário”, entende a especialista.
Por outro lado, a tributarista questiona o cancelamento dos juros e das multas para os contribuintes que perderem pelo voto de qualidade, pois a lei criou uma distorção ao fazer com que a opção pelo litígio eventualmente seja mais benéfica do que o pagamento do tributo em dia ou a própria denúncia espontânea.
“Com o perdão dos juros, a lei premia o contribuinte que não pagou em dia, em detrimento daquele que comprometeu o caixa para pagar o tributo. Mais ainda, o efeito pode ser contrário à pretensão de maior harmonia entre Fisco e contribuintes e pode até incentivar o litígio, principalmente em casos de planejamento tributário, situações controversas que comumente são decididas pelo voto de qualidade, como é o caso da amortização do ágio interno”, opina Livia.
Além disso, para a tributarista, quando o projeto de lei alterou dispositivos da Lei de Execuções Fiscais, perdeu a oportunidade de solucionar uma recente controvérsia processual criada pelo STJ, que impede o oferecimento de embargos à execução fiscal para discutir compensação indeferida na esfera administrativa.
“Em 2021, o STJ passou a entender que essa discussão só pode ser feita em ação anulatória, prejudicando contribuintes que apresentaram embargos à execução confiando na aplicação do Tema Repetitivo n. 294. Outro ponto que passou batido e seria muito bem-vindo para todos que atuam no contencioso tributário é a definição clara e precisa de que execução fiscal deve ser suspensa quando existente prévia ação anulatória de débito fiscal devidamente garantida”, conclui Livia.