Karênina Alves da Silveira, estudante de Direito e mãe de uma bebê de quatro meses, obteve vitória em segunda instância na Justiça em uma ação que abre precedente para mães, especialmente as lactantes: assistir remotamente aulas do curso de Direito.
A decisão desta semana (22 de agosto) reverte outra, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Águas Claras, que havia indeferido a medida de urgência para que ela pudesse cursar matérias na modalidade virtual/remota, utilizando, para tanto, dos meios tecnológicos já disponíveis na universidade e que estiveram em uso mais amplamente durante a pandemia.
A aluna estava estudando, como é ofertado comumente, pelo regime especial de frequência, mas sem ter acesso às aulas, e sem o necessário aproveitamento do curso por falha da instituição que não atualizava os conteúdos. Ela havia solicitado assistir as aulas remotamente, justamente, para ter melhores condições de acompanhar o curso. A resposta que obteve foi de que o regulamento do estabelecimento de ensino não previa a ministração de aulas em ambiente virtual ou remoto.
Desde o 5º semestre do curso (final da gestação), Karênina havia solicitado à universidade assistir aulas remotamente, com as tecnologias já disponíveis. Não teve deferimento. Daí requereu o “regime especial de frequência”, ocasião em que os professores teriam sido comunicados de que o envio de atividades deveria ocorrer por meio da plataforma “moodle”.
Só que “não obstante os professores tenham recebido o comunicado, e muito embora já soubessem (desde o início do semestre) que ela estava prestes a ter sua bebê, nenhuma providência foi tomada para incluir conteúdo ou atividades na plataforma”.
Antes de ingressar na Justiça, Karênina formalizou reclamação pelos canais disponíveis para atendimento, sem a solução do problema. A partir de abril, com o nascimento da filha se viu obrigada a trancar três das sete matérias que cursava. Tudo isso lhe trouxe muito transtorno e foi desastroso para os seus estudos.
Ao insistir em ir às aulas, enfrentou, além carência de estrutura, como falta de carteiras em que pudesse se sentar e condições para sentar e cuidar da bebê, problemas com a hiperlactação (não pode ficar mais de uma hora e meia sem ofertar leite à filha), o que agravou a dificuldade de amamentação em um ambiente de sala de aula. Ademais, a criança tem diagnóstico de intolerância alimentar. Criou-se assim o drama e o impasse: ou ela amamentava sua filha, ou frequentava a faculdade.
“Para solucionar essa questão tão opressiva para a nossa cliente, invocamos no recurso à segunda instância a proteção aos direitos sociais à educação e à proteção da maternidade (Constituição Federal, art. 6º), o princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (Constituição Federal, art. 206, I) e a priorização da saúde da prole (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 25)”, explicou a advogada de Karênina, Lenda Tariana, que também é mãe de uma menina com um ano de idade e vem enfrentando as adversidades do cotidiano para tornar “normal” a maternidade e a amamentação. Lenda vem tendo amplo êxito enquanto vice-presidente da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) e acredita que este caso de Karênina, além de abrir precedente na Justiça, aprofunda positivamente o debate na sociedade.
“Não podemos admitir a exclusão de mulheres de sua formação, quando a tecnologia está aí para apoiar que não tenham prejuízos. Isso não coloca em risco o curso de Direito. Ao contrário, dignifica as instituições”, observa Lenda.
Extrai-se da decisão em segunda instância que: “a agravante não pretende se eximir das obrigações de discente (pedagógicas e financeiras), tampouco obter tratamento diferenciado em relação às avaliações e aos requisitos de aproveitamento, os quais devem ser cumpridos de forma isonômica com os demais alunos e de acordo com as regras da instituição de ensino, mas tão somente compatibilizar o período de aleitamento (e as específicas particularidades do caso concreto) com a continuidade dos estudos no curso de Direito”.
Sobre a relação contratual entre a aluna e a universidade, destaca-se da decisão: “entrementes, o contrato de prestação de serviços educacionais firmado entre as partes, para esse caso omisso, deve ser interpretado à luz da boa-fé objetiva, o qual impôs às partes da relação contratual a adoção de postura que guarde conformidade com os padrões sociais de ética, correção e transparência, a respeitar a legítima expectativa ali depositada (Código Civil, artigos 421 e 422)”.
Uma compreensão mais ampla do que a adotada pela primeira instância e em sintonia com as necessidades reais de mulheres, no aspecto da maternidade e do ato de amamentar.