O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (30) o julgamento da validade do marco temporal das terras indígenas, que não é tratado pela legislação.
A tese, defendida pelos ruralistas, afirma que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
Pelo critério, indígenas que não estivessem em suas terras até a data não teriam direito de reivindicá-las.
Essa tese é criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois validaria e legalizaria invasões e violências cometidas contra indígenas anteriormente à data.
Até agora, são 2 votos a 1 contra o marco temporal. O julgamento é retomado com o voto do ministro André Mendonça, que havia pedido vista (mais tempo para análise) do processo em 7 de junho.
Mendonça só poderá votar na discussão sobre a fixação de uma tese constitucional a respeito da validade do marco temporal, e está impedido de julgar o processo de referência para o caso –um recurso da Funai contra decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a favor da reintegração de posse de uma área tratada como de tradicional ocupação indígena em Santa Catarina.
Isso porque ele atuou, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), como advogado-geral da União nesse processo específico, e defendeu a tese que restringe as demarcações de terras indígenas.
Até agora, votaram contra o marco temporal os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, e a favor o ministro Kassio Nunes Marques.
O relator do processo, Edson Fachin, foi o primeiro a votar e refutou a tese do marco temporal, ainda em 2021. Ele disse que a teoria desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição.
Para o ministro, a proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco.
Já Kassio Nunes Marques reafirmou o marco temporal e votou pelo desprovimento do recurso.
Ele defendeu que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção constitucional depende de um marco temporal.
Em seguida ao voto de Nunes Marques, Alexandre de Moraes pediu vista e pode votar apenas em junho deste ano.
Ele propôs mudanças em relação à indenização que deve ser paga pela União a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.
Segundo ele, se não houver esbulho (usurpação da posse), conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição, a União deve indenizar previamente o proprietário de terra localizada em ocupação tradicional indígena, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária.
Além disso, votou Moraes, caso a desapropriação dessas pessoas seja contrária ao interesse público e “buscando a paz social”, a União “poderá realizar a compensação às comunidades indígenas, concedendo-lhes terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância”.
Moraes afirmou que seu voto é para que não haja “nem oito nem oitenta” em relação à disputa do marco temporal, e para garantir “posse às comunidades tradicionais sem renegar totalmente às pessoas de boa-fé o ato jurídico perfeito”.
A retomada do julgamento do processo acontece em meio a novos protestos de indígenas em frente à corte.
Depois de Mendonça, o ministro seguinte a votar será Cristiano Zanin, primeiro indicado ao Supremo pelo presidente Lula (PT) em seu atual mandato.
Como votaram os minitros
Edson Fachin, contra
O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e que, por isso, não deve ser definido por nenhum marco temporal. Lembrou que a Constituição define os direitos indígenas como fundamentais e diz que os povos têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”
Nunes Marques, a favor
Indicado por Bolsonaro, ele divergiu do relator e afirmou, em seu voto, que o marco cria segurança jurídica para as demarcações. Ele seguiu o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, que instituiu a tese pela primeira vez no Supremo
Alexandre de Moraes, divergente
O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas abriu a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras -como no caso da Raposa Serra do Sol-, dentre elas, a indenização de quem ficaria sem a área para que o território fosse delegado aos indígenas.
Fonte: Folha Press